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sexta-feira, 6 de julho de 2012

Sonho de Silvana

     Silvana fechou a porta do quarto, deitou-se no chão
e chorou a noite toda.
    Seu quarto era uma mistura de cores
e também de personalidades. Seus quinze anos apareciam
rosa na parede ao lado. Seus trinta, na foto da moto, do outro lado. Seus setenta, na frente, fixavam-se num quadro de tinta sobre tela.
Seus cem anos, na parede de trás, onde também  havia uma janela branca,
 exteriorizavam-se em retratos em  preto-e-branco com o marido e os filhos.Sua vida toda estava ali, resumida, nua, ora colorida,ora tosca .Durante o dia os raios de sol tangenciavam quase todas as paredes, menos a que tinha as mais antigas lembranças.Mesmo assim, todas exibiam uma magia sem igual, como se fossem o aglutinar do espaço-tempo, temperados com sorrisos, lágrimas e saudades.
     A solidão era crônica e reagudizava-se a cada tentativa de dormir. O sono tinha-se tornado um bóson de Higgs, instável e fugaz, outras vezes, o próprio buraco negro onde as lembranças desapareciam:-Velhice é uma merda, pensava.
     Ainda que sua vida tivesse-se tornado  história nos livros ginasiais, não sentia que tinha importância alguma. Não sem seus entes queridos.-Ah, por que só eu fiquei? Por que tanta dor? Antes que terminasse de se perguntar respondia pronta: -Mas que sorte a minha vivi tanto e tão feliz...
     Doze horas se passaram e Silvana não sabia se estava dormindo ou acordada. Os raios de sol deram lugar a uma chuva torrencial e o vento uivava levando folhas que batiam no vidro da janela, aparentando querer entrar e levar também aquele corpo débil. A velha senhora olhava a cena com a cabeça para um lado e o corpo para o outro, roupas retraídas, cabelos enovelados, deixando claro que a noite fora de inquietos mexe-mexes de um pesadelo ou de um  delicioso sonho de menina no parque. Ela não se lembrava. Meio-dia e era hora de tomar seus remédios, mas quais, quantos? Talvez estivesse desidratada. A sua boca seca e os olhos fundos denunciavam que o fim poderia estar próximo. Súbito percebeu que a chuva cessara e o sol voltara a brilhar. Não tinha, entretanto, forças para levantar, abrir a janela e sentir o frescor daquele início de  primavera.
       Fechou novamente os olhos e aí  foi  que viu uma imensa  janela branca abrindo-se suave, esplendorosa, convidando-a  a ser o sol que tangenciava as paredes. Todas elas.

Um comentário:

  1. Genial, delicioso, da até vertigem essa descrição da passagem... Parabéns ao Doktor escritor!

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