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domingo, 19 de fevereiro de 2012

O Tímido e a Loira

     Parecia estar em transe. Entrou no ônibus, sentou-se na primeira poltrona da frente.
Suspirou e deixou cair uma lágrima e depois outras tantas...
Um arrepio correu-lhe a espinha e o coração pareceu saltar-lhe pela boca.
Celina tinha 32 anos e era loira, bonita de cabelos escorridos, olhos grandes como duas bolinhas de cristal.
      A face clara contrastava com o batom escuro, um vinho- escuro. Não pintava as unhas porque tinha alergia, mas batom,esse sempre tinha que passar. A sombra nos olhos já estava borrada e um soluço acabou escapando. Algus passageiros ouviram. Juliano, sentado logo atrás, na fileira ao lado, sentiu um nó na garganta ao ver aquela bela jovem já  em prantos. Ficou imaginando o que poderia ter-lhe acontecido, se um namorado chutara-lhe a bunda, se tinha perdido um ente querido, se tinha reprovado de ano na escola...
      O que a teria feito tão triste, tão agoniada? Ele, um rapaz de 20 anos, franzino, de cabelos negros e encaracolados, tímido, não conseguiu chegar mais perto, ainda que a poltrona logo ao lado estivesse vazia. Começou a ter palpitação, falta de ar, só de pensar em sentar-se lá e puxar uma conversa. Desistiu e continuou a disfarçar o seu desejo ora de ajudar aquela mulher, ora de aproveitar o ensejo e passar-lhe uma cantada. Olhava para a frente, para o nada, e vez por outra fixava o olhar naquele rosto angelical. Antes de olhar de novo para a frente, passava rapidamente os olhos por todo o seu corpo de sereia, enfiado em um vestido tubinho preto e sustentado por pezinhos 35, suavemente envoltos por uma sandalha bege com salto moderado."Que mulher", pensava ele. "Nunca teria chances com ela". Se talvez ele pudesse ao menos ajudá-la, bater um papo para distraí-la. Não, não seria capaz. Sua timidez o impedia e , além do mais, o que iria dizer? O problema dela deveria ser muito sério e ele, hum, ele mal conseguiria falar  o próprio nome, quanto mais dar algum tipo de conselho ou dizer uma palvara bonita . Nem piada sabia. Se soubesse, poderia contar uma e quem sabe ela sorriria. Ah ,mas essa maldita timidez...Sua origem simples obrigou-o a deixar os estudos e aos 14 anos começoua trabalhar como "office-boy"num escritório de contabilidade. Depois de 3 anos mudou de empresa. Trabalha  hoje numa loja de aparelhos celulares, voltou  a estudar  está no 3 ano do ensino médio. Quer fazer Economia e para pagar os estudos faz bicos de DJ todos os sábados à noite.
      Parou a palpitação e ele se acalmou. Também ela. Uma freada brusca do motorista e todos gritaram, menos os dois. Só sentiram um solavanco e logo voltaram a permanecer cada qual em sua angústia.
      O calor de Foz estava terrível e de repente começa a chover. Todos os que estavam do lado das janelas apressaram-se em  fechá-las.O calor aumentou. "Cacilda", pensou ele, Já estou suado feito uma mula em fim de turno e agora  essas janelas fechadas. "Merda, merda, merda. Agora fudeu". Celina nem se lixou, janelas abertas, fechadas, tanto fazia. O importante, mais importante, era a sua tristeza naquela hora. Os soluços deram lugar  a uma cara macambúzia , os olhos sempre fechados e uma tromba que parecia um filhote de elefante, um elefante bonito, mas um elefante. Ela saíra da faculdade, teria que chegar em casa, não sem tomar aquela chuvarada toda ,evidentemente, e depois ainda estudar para a prova . 32 anos e ela ainda era uma estudante,sempre uma estudante. Já era a terceira faculdade. Chorou como uma menina. "Que teria acontecido?"- ainda tentava descobrir Juliano. Ele percebera que se tratava de uma estudante, pois levava uma bolsa branca e em cima dela dois livros, um de "Direito Constitucional" e outro de "Direito Tributário". "Cacete, agora que eu não chego mesmo, a mina é muito crânio".  Depois de quase vinte minutos, finalmente os lábios de Celina ficam mais relaxados, desfaz-se a tromba e os olhos já não estão úmidos. Ela olha para trás e percebe os olhos fixos de Juliano. Esboça um sorriso e , antes que ele pense em retribuir, deixa sair  palavras doces, com uma voz rouca, quase grave:-Nossa que interessante né, as coisas acontecem com a gente quando menos se espera. Juliano de início não acreditou que ela puxara  assunto,mas finalmente superou o medo-palpitação-timidez e também sorriu:" Estou vendo que você está muito triste, estava até chorando, o que aconteceu?" - Ah, você nem acredita, acabaram de roubar o meu celular, num assalto. Estou tremendo até agora. E o pior de tudo é que toda a minha agenda e os meus trabalhos estavam lá. Juliano ouvia com cara de espanto e dó, com vontade de acariciá-la, passando-lhe calma e carinho. "Mas me diga uma coisa, ele agrediu você, machucou-a de alguma forma?"
-Não, por sorte não. Melhor assim ,né?!
"Claro, o celular você arranja outro. Apesar de que as informações que estavam nele...essas você perdeu". -Pois é, isso que está me deixando triste, não gosto de perder nada na vida.
"Olha, por coincidência eu trabalho numa loja de celulares. Se você precisar, faço um precinho bom para você"
_ Ai, que fofo, obrigada, você é muito gentil, mas eu preciso de um celular hoje. Não tenho telefone fixo e me comunico pela internet através dele, pra falar com as amigas, sabe?
"Olha, eu estou com a chave da loja. Podemos ir até lá e aí você escolhe um celular"
_Ah não , mas eu não quero incomodar.
"Que isso, vamos lá , não vai ter ninguém e , além de vendedor, sou responsável por abrir e fechar a loja. A dona confia bastante em mim"
  Juliano convence a linda moça e lá vão à loja de celulares.
No caminho Juliano já fantasiava o que fazer naquela loja, após vender o celular para a moça. Poderiam transar ali mesmo... "Não, melhor não forçar assim. Ela parecia uma pessoa tão legal, tão inteligente, tão centrada. Não transaria assim". Por outro lado, se não fosse hoje talvez não houvesse outra vez.
     Celina aparentava estar mais calma , até sorriu várias vezes e sequer parecia ter chorado. Quando chegaram até a porta da loja já beirava as 19;30h, apenas chuviscava e o calor continuava sem tréguas. A porta era daquelas tipo armazém, de correr para cima;a fachada era simples,com textura azul-claro. Não havia alarme, o que facilitava a entrada dos dois. Não passavam muitas pessoas naquela rua escura da Vila Portes. Quando Juliano alcança o interruptor de luz, antes de acioná-lo recebe um soco no ombro e logo em seguida um revólver  molhado e gelado encosta em seu ouvido. No outro ouvido uma voz rouca,quase grave, sussurra: "Aí babaca, perdeu, coloca só os melhores celulares aqui nesse saco que eu sumo da sua vida e você some da minha. E lembre-se, eu não gosto de perder nada na vida, nunca perco". 

4 comentários:

  1. Me deu um tapa na cara teu conto. Parabéns. Foz tem umas surpresas. Esquenta cada vez mais e de repente esfria. Vários pequenos dramas aqui no Loira e Tímido. Um abraço

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  2. Continuação...
    Parabéns

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  3. Hahahaahah! Bem feito por otário!!! Minha mãe sempre diz que quem tem pena acaba depenado...rsss Certa parte ela tem razão. Muito bom! Uma leitura que prende os nossos olhos. Soubestes atrair o leitor. Um abraço.

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