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segunda-feira, 26 de março de 2012

Diálogo da Esperança.

-Vou colorir minha palavra: Te amo!
-Vou descolorir a minha: Foda-se!
-Vou vomitar um arco-íris.
-Vou engolir um terremoto.
-Vou te sorrir até o fim.
-Vou cortar você de mim.
-Vou te seguir até o céu.
-Vou mandá-lo à merda.
-Vou sempre ter esperança.
-Você é quem dança.
-Vou te seguir pelos sonhos.
-Sim, pelos sonhos, sim.

Comida Indigesta

-Bom dia, alunos! A diretoria comunica que o professor Atahide morreu. Comeu  galinha estragada.Morena. Ficaremos sem aulas por três dias.
-E viva a galinha, diretora!

domingo, 18 de março de 2012

O CASAMENTO QUE NUNCA OCORREU



      A ferida não cicatrizava.
Depois de tanto tempo, e para ela parecia ter sido ontem, Sabrina lembrava-se dos passeios de carro ,dos sorvetes ,dos cinemas, do primeiro beijo...Lembrava-se do namoro de dez anos. -Dez anos! Meu Deus quanto tempo!-pensava ela ontem à noite antes de dormir. E dormiu. Dormiu e sonhou exatamente com ele, Francisco, seu primeiro, único e eterno amor. Sonhou com todas as coisas boas que passaram juntos, sonhou com o casamento que não ocorreu naquele ano de 1991, com as gargalhadas em noites de festa, sonhou com o êxtase da paixão... e sonhou, sonhou, sonhou tanto que não queria acordar. Mesmo que quisesse não conseguiria. Parecia estar numa catarse provocada por drogas potentes. Mas nada tomara, somente os anos que se transformaram em sonhos. Era a única coisa na qual se apegara.
      Deveria ter esquecido toda aquela história. Deveria ter vivido um outro amor, uma outra paixão avassaladora ,mas...mas Francisco estava impregnado na alma, no coração, nos sonhos. Virava-se na cama como criança. Vez por outra chorava como criança. Poucas vezes soltava gargalhadas, em conversas oníricas sem sentido, como criança.
      Às duas da manhã acordou assustada, gritando:-Não, Francisco, não, não! Ficou tremendo mais de cinco minutos mesmo após tomar um copo de água com açúcar. Tentou dormir outra vez , e outra, e outra, até que conseguiu, e dessa vez dormiu um sono profundo e silencioso, anestesiada pela solidão que a assolava havia décadas. Não sonhou mais com ninguém, com nada.
      Acordou cedinho, às 6 da manhã, como de costume, e foi regar as plantas, como também de costume. Naquela manhã elas pareciam mais alegres, como saudando a primavera que acabara de chegar. Em seu jardim tinha bromélias, orquídeas, rosas, jasmins. Também tinha palmeiras, duas, e um pé de jabuticaba que ela adorava. Estranho, mas a orquídea branca, com tons de lilás, aparentava sorrir-lhe; tinha um brilho intenso, uma umidade suave que lhe percorria todo o caule. Sabrina sorriu enquanto a fitava e regou-a lenta e calmamente.             
       O sol já despontava entre duas grandes figueiras centenárias que davam um frescor a mais ao ambiente. O jardim era cercado de arames finos que ela mesma esticara. Todo o jardim,aliás, ela quem organizara havia mais de vinte anos. Foi a forma que encontrou, depois de muito tempo, de amenizar a falta que Francisco fazia. Nessa manhã pensou na felicidade que teve e na que deixou de ter, quando ele se fora. Tudo estava pronto, as flores , os convites, a igreja, os convidados...Mas na hora "h" o noivo não apareceu. Todos pareciam não acreditar , muito menos Sabrina. Após um zum-zum-zum daqui e outro dali, cada um tentando dar uma explicação para o ocorrido, Carlos chega ofegante e revela que a polícia havia levado seu irmão. Sua atividade política, antigoverno, era intensa e dessa vez pesava sobre ele a acusação de assassinato de um membro do serviço secreto. Não deram explicações coerentes. Simplesmente levaram-no para a prisão e ele nunca teve chance de provar a inocência.
       Sabrina sabia, todos sabiam que Francisco era ousado, crítico ferrenho do sistema, mas não seria capaz de matar qualquer ser humano. No entanto, de nada adiantava a sua idoneidade num governo ditatorial e corrupto. Naquela semana completaria quarenta anos da sua prisão. Sabrina não sabia se estava vivo e preso, ou morto,... se ele estivesse preso , mas vivo, ela estaria satisfeita. Por outro lado- pensava- mas... e se o torturaram, se ainda o torturam? -Melhor que tenha morrido, para não mais sofrer. Essas idéias antagônicas brigavam em sua cabeça e deixavam-na maluca. Nunca quis saber de outro homem, de se divertir, de olhar a vida sem o seu único amor.
      Não tinha mais esperanças. Sabia que aos sessenta e oito  anos poucas chances havia de qualquer final feliz. Mas aquela manhã foi especial, o almoço Sabrina comeu sozinha, não, sozinha não, na companhia de Papagus, um papagaio alegre e Malcom, seu gato preto, ambos companheiros de longa data. Conversaram os três, e comeram, e beberam(água). O vento começou a soprar no fim do almoço, antevendo uma chuva rápida, mas esta frustrou-se e a coisa só ficou na ventania que fez cairem folhas amarelas do ipê da vizinha ao lado. Sabrina apressara-se para levar a louça para dentro, pegar uma vassoura e varrer aquela folhagem. Mais um dia estava-se passando, com poucas alegrias, algumas tristezas e muita, muita saudade. Sua casa era simples , mas aconchegante. Por fora exibia tijolinhos marrons e telhado bege; as janelas de madeira davam um charme a mais ao local que aparentava estar numa fazenda, mas estava em plena cidade de Caracas. Sabrina era professora de línguas e aposentara-se em 2021. Após dez anos recebendo o dinheirinho( bem "inho" mesmo), ela passou a dar aulas particulares de Inglês e Francês para pessoas que estudariam fora, tentando uma vida melhor. Conseguiu juntar uma graninha extra. Para uma mulher sozinha estava de bom tamanho.
      E a tarde já ía caindo de vez, e o vento voltou, agora mais suave e sem trazer as folhas da árvore vizinha, posto que vinha  do sul. A madrugada prometia ser suave e acolhedora. Súbito Sabrina ouve baterem à porta, três toques suaves, tímidos, graves. Pensou ser a vizinha que vez ou outra vinha pedir sal, gelo ou farinha. Mas aqueles toques eram diferentes. Por um instante um frio percorreu-lhe a espinha, fantasiou ser o seu amado, como fazia de costume, chegando após um dia árduo de trabalho. Atravessou a cozinha pequena e organizada e ao chegar à sala diminuiu o ritmo dos passos, o frio na espinha deu lugar a uma palpitação desenfreada. Hesitou, vagarosamente levantou a mão em direção à maçaneta, ao mesmo tempo em que dirigiu a sua cabeça ao olho mágico. Não viu ninguém, tentou o outro olho, e nada. Fixou então a sua orelha na porta, tentando escutar algum ruído. Nenhum som. Por alguns segundos pensou em voltar à varanda dos fundos, onde poderia ter a ajuda dos bons vizinhos se fosse preciso ,mas percebeu que não haveria perigo se abrisse a porta. -Ter medo de quê, pensava ela,-Não tenho medo de nada , só não quero sentir dor. Apertou vigorosamente a maçaneta redonda e bicuda e num só golpe girou-a e abriu a porta . Como esperava, não havia ninguém. Antes de fechar a porta percebeu que havia um envelope no chão, branco, fino, longo, sem selos, apenas a escrita "Para Sabrina Vargas". O medo, a expectativa, as fantasias, pareciam ter-se acabado. Deveria ser mais uma propaganda de lojas. Pegou o envelope, abrindo-o sem muito interesse. Percebeu um papel cuidadosamente dobrado e escrito a mão. E o frio na espinha e tudo mais o que sentiu voltou à tona. Leu em voz alta, de forma trêmula, não pela idade , mas pela emoção: " Ao único amor da minha vida:  Sinto muito por não ter podido dar notícias antes. Escrevi centenas de cartas e certamente você não as recebeu, pois não obtive resposta alguma. Os militares não nos deixaram casar e tampouco nos corresponder. Não me torturaram, mas me privaram de saber de você; e isso foi pior que qualquer tortura. Minha esperança é que você esteja bem de saúde e que tenha reconstruído sua vida. Na prisão tive muito tempo para pensar em nós, nos filhos que poderíamos ter tido, na felicidade que poderíamos ter compartilhado. Depois de um tempo só pensava na sua felicidade. Nem sei se você ainda vive, terei que esperar para saber. Encontre-me , se puder, às 20:00 ao lado da Igreja Matriz. Se você não aparecer, eu entenderei.
Beijos saudosos ,do seu Francisco".
      E terminando de ler aquelas palavras, Sabrina soluçava e ria ao mesmo tempo, não acreditando, não entendendo, mas adorando o fato de ele ainda ser o seu Francisco. Claro que não hesitou em se arrumar e ir ao encontro do seu amado. A Igreja ficava perto dali. Foi caminhando e exalando o mesmo perfume do dia do casamento. Ter-se-ía vestido de noiva se seu amado tivesse pedido, e se não se sentisse envergonhada, com os seus quase setenta anos. Quando chagava próximo ao local marcado viu um “belo jovem” também na casa dos setenta anos, com terno cinza-claro e os olhos mais azuis que o céu daquela tarde, antes do ventania. E ventava novamente... Francisco não mudara tanto, continuava um homem alegre, ele sorria, e atraente. Seus cabelos grisalhos não se escassearam tanto e sua face continuava rosada. Não engordara. Parecia estar mais forte, mas não gordo. E à medida em que ía se aproximando Sabrina sorria mais e mais, e soluçava, e ria, e chorava. Ambos começaram a apertar os passos na tentativa e ânsia de chegar mais rápido ao abraço que durara quarenta anos para acontecer...e aconteceu, numa mistura de lágrimas e beijos e sorrisos, muitos sorrisos .
      Corpos trêmulos, cabeça nas nuvens, como se não houvesse chão, nem céu , nem quaisquer pessoas no mundo exceto eles. Ficaram assim por um bom tempo, e ficariam pelo  resto de suas vidas.