As janelas bateram, bateram, bateram várias vezes durante a tempestade.
O sobrado marrom, de maderia, lembrava um castelo mal-assombrado
prestes a receber os fantasmas ou monstros de um filme de terror. Só as
janelas eram brancas, e brilhavam a cada relâmpago.
Malcom,o cachorrinho amarelo,assustado, escondido na oficina sem portas, o botão de rosa que quase beijava o chão a cada rajada de vento, e as duas
palmeiras ao lado , todos trêmulos ,teriam desejado criar asas e sumir do caos. Eram onze da noite, a neblina juntava-se ao já sinistro cenário e a temperatura ía caindo.
As ruas do vilarejo estavam desertas.Poucos lampeões se desenhavam nas janelas das casas,as chamas ora dançavam sob o vento que entrava pelas frestas, ora se agigantavam como uma bola de fogo que quase engolia as cortinas enlouquecidas.
Teria sido muito perigoso sair após o alerta da rádio local. Demitri já estava de malas prontas para ir à cidade e alugar um quarto próximo à faculdade.Seria seu primeiro ano no curso de Direito. Sua mãe Maria já chorava pelas quatro horas de viagem que a separariam do filho. E os menores Yasmin,de dez anos, e Ivan, de oito, eram muito apegados ao irmão.Afinal, ele quem assumira o papel do pai morto na guerra. Seria um difícil período de adaptação.
Os quatro conversavam numa mistura de saudade intempestiva e alegria pelo atraso do trem.
A tempestade então passou , mas deixou a neblina de rastro. A hora da partida havia chegado.Ouviram-se somente os sons das rodas e dos freios, como uma respiração forçada, interrompida por tosses metálicas do "gigante de ferro".Demitri ainda soluçava e enxugava as lágrimas, quando entrou rapidamente no primeiro vagão, sem olhar para trás.Sua mãe e seus irmãos acenavam em silêncio, esticando-se para vê-lo uma última vez. Em vão. Sentou-se no banco ao lado do corredor. Abaixou a cabeça sobre os joelhos e voltou a chorar feito criança. Um longo e seco estrondo abafou todos os outros sons. E uma imensa luz de chamas lambeu e deglutiu tudo em segundos.Seguiu-se um vento quente, devastador, que acabou por derrubar as árvores que teimaram em permanecer de pé. E tudo, absolutamente tudo, ficou em silêncio.
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